quarta-feira, 16 de setembro de 2009

ABORTO SOCIAL Gleise Costa


ABORTO SOCIAL


Gleise Costa

Estive em uma Feira de Conhecimento no centro do Recife, é uma escola Pública e tradicionalmente formadora de professores para o ensino fundamental (Normal/ Magistério), mais que também tem algumas turmas de ensino médio (segundo grau para vestibular).


Questionada por alguns colegas palestrantes que acompanhavam-me como alienígenas vislumbrando o novo-velho mundo do fazer educação para as massas desprovidas e aviltadas. Questionavam-me sobre a visão ousada de “pobres” que sonham com um curso superior.


-Utopia? Ou direito natural da massa dos excluídos, em busca de acessão via escolarização. Mas com a atual escola pública? - estes “coitados” saem mais do que despreparados ao longo da jornada escolar, fazem só volume nos anuários estatísticos para alocar recursos para uma educação de faz de contas.


Uns raros por competência ou auto-didatismo ou pura sorte na loteria do vestibular passam pelo estreito funil, para lentamente serem derrubados ao longo de seus cursos, fadadas ao fracasso e ao subemprego. Mas claro que há os pouquíssimos heróis que superam as adversidades reais, e as dificuldades do imaginário social dos preconceitos, e vencem.


Esses poucos muitas vezes mascaram-se de elite, escondendo seu passado de aluno de escola pública.
Optam por discursos que denigrem os que superam as múltiplas adversidades e conquistam uma graduação, para que suas máscaras não caiam e seus rostos não sejam vistos com suas verdadeiras marcas.


Pessoas que são os nossos verdadeiros heróis, anônimos e ocultos. Envergonhados de seu passado, ou para ser aceitos em seu novo status–quo escondem-se ao invés de mostrar-se como elementos motivadores para os tantos outros que estão em meio à longa jornada, os muitos que não aceitaram a aniquilação, mais lutam bravamente anos após anos apesar das precárias condições das escolas públicas, e ao mesmo tempo graças à escola pública.

A escola pública é para a grande maioria a única opção, sem ela não há opção! Com ela luta-se apesar de tudo, esperançosamente por um amanhã...
Havia em um dos stands uma rica apresentação sobre o aborto e o direito da mulher sobre seu corpo. Fotos belíssimas de mulheres saudáveis, malhando, abraçadas a homens bonitos, todos com expressões felizes, contrapostas a imagens de abortos criminosos, feitos por curiosos e até por pseudo-s médicos.


Um álbum seriado foi sendo apresentado ao público presente que passivo assistia a tudo com tanta naturalidade que chocava vê-las. Perninhas arroxeadas, rostinhos desfigurados, e outras tantas cenas dantescas e inexplicáveis em grandes ampliações fotográficas estrategicamente disposta com o objetivo de romper o sono letárgico e hermético, que envolvem muitos ao abordar a questão da saúde da mulher, o direito a vida. Mas que tipo de vida? Foi um momento de horror, as imagens de corpinhos esbranquiçados pelo éter em vidros de maionese exibidos em público como rótulos de cientificismo vulgar.


Algo inexplicável inquietava-me palavras iam nebulando minha mente com letras, sons e imagens fundido-se como em um surto psicodélico.


Questiono-me se o estado de letargia e torpor de todo o público que assistiu as apresentações foi baseado na calosidade de almas brutalizadas pela miséria e violência de um país de miseráveis?


Quando digo miseráveis, não falo dos famintos que povoam as ruas, das crianças que vendem buginguangas ou vendem-se nos sinais das grandes avenidas, das mães brutalizadas pela pobreza que induz a mentes frágeis que precisam de apoio e segurança a pratica pequenos delitos encobertos pela máscara do pesadelo da fome. Entorpecidos pelo inebriante cheiro da cola de sapateiro, e pelo efeito do “artame”, e do medo.

Não falo de armas em mãos tão pequenas que mal podem segurar e apertar o gatilho, mais que tão sedo tem que se ver brutalizadas pelo aborto social.


Falo da miséria humana quando vejo palafitas e mocambos casebres pobríssimos que até os ratos abandonam por tão grande precariedade, vejo corpos estendidos no chão, assassinados. E as bocas que vomitam expressões alicerçadas pela dominação ideológica sem refletir a conjuntura que se impôs às pequenas vidas sem valor que bradejam de cima das consciências acríticas “- era apenas mais um “bandido” “marginal”e daí?” Prostrados no chão crivados pela violência social é até “fácil”atribuir-lhe culpa, voltam-se para o berço que sempre os embalou as ruas e todas as mazelas que os forjou assim.


A margem da vida, vida sem vida, sem dignidade, vítimas ou réus? Quem as poderia julgar? Eu? Um também abandonado pela vida? O senhor que por motivos diversos abandonou a miséria que o cerca entrincheirado-se em condomínios guardados por seguranças cães e câmeras? Ou exilou-se para sobreviver e resguardar sua integridade mental e moral fingindo–se inatingível com os frágeis vidros fechados? No distanciamento fugaz, volátil mais socialmente aceito como natural? Não nos compete julgar? Criticar? Conscientizar? Indignar? Modificar?

(No Aurélio= miséria é... 1.estado deplorável 2.desprezível, infame 3.perverso, malvado 4.próprio de quem é muito pobre 5.Sem valor, ínfimo. )


Digo do país dos Miseráveis, no sentido da miséria humana da mixórdia administrativa do lucro da volúpia do poder, de corpos sem almas de mentes sem consciência que moldam com minudência os abortados sociais, mata-se a alma em corpos mutilados de uma vida real.
De escolas que deseducam, ou melhor reproduzem o macro mundo que os cercam onde a violência diária, o descaso, e o funesto sentido de aprender, são roubados, do primeiro e principal direito natural – O DA VIDA!


Em estado deplorável de muitas escolas, que não são melhores que suas “casas” reproduzindo o autoritarismo e o descaso com o progresso pessoal, esperando tacitamente a obliteração da maioria, encubando utopias de desempenhar uma função social.


As desprezíveis, infames, políticas públicas com suas “incompetências” de leitura do cotidiano das mazelas sociais, que tentam moldar e rotular a todos e a tudo como vidros de remédios “placebos” em prateleiras empoeiradas da botica metodológicas das teorias educacionais.


A ação, perversa, malvada, de insuflar sonhos de liberdade, igualdade e prosperidade como em um slogan da revolução francesa dos trópicos, a quem libertará a formação deficiente, inexistente, talvez a fila dos que buscam empregos?, Dos que engrossam o caldo dos muitos concursos públicos?, Dos que se sente enganados pela vida?, Pela falta de oportunidades?, Mas que na realidade a baixa qualificação de uma escolaridade que não tem em seu cabedal formativo os elementos para a atual empregabilidade do sujeito das camadas menos favorecidas.
Desprovidos dos múltiplos alimentos que nutrem o corpo e a alma do ser humano, de lazer e recursos, desprovidos de ambiente e estrutura, de saberes socialmente reconhecidos como fundamentais.
É próprio de quem é muito pobre, empobrecidos na senzala contemporânea, envergonharia Gilberto Freire, na grande senzala moderna, pais escravos filhos escravos ou no máximo Capitães do Mato tal analogia envergonha-nos, mais lá no fundo, não terá algo de verossímil? Vejo brutalizados homens e mulheres que em sua maioria chegam ao segundo grau analfabetos de letras, de números, de humanidade.
Envergonhados esconde-se em capas de da rigidez, da agressão do vandalismo, da evasão, empobrecidos de sonhos de vida, apegam-se à fé, a mitos a ídolos a políticos eternos salvadores de consciências ingênuas solucionadores de todos os problemas, “mandadores” de todas as ordens, decifradores de todos os destinos criadores de todas as oportunidades. Falácias das desesperanças, crivo real de dominação de seus senhores ocultos, está na pele pálida, às vezes gordas ou magras, opulência opugnável de mazelas, roupas rotas, dentes falhos, mentes...
Sem valor, ínfimo, o trabalho empregado jogado fora, que dá muito mais trabalho e contunde muito mais profundamente que se bem executado, o quanto custa manter na escola uma criança dos seis aos 18 anos em média? Quarenta crianças por sala? Quatro horas por dia? De quatro a cinco semanas por mês? Onze meses por ano?
Instumentalizando–as em leitura e interpretação, escrita, cálculo, texto e contexto em história, geografia ciências literatura, línguas, direitos e deveres artes ecologia tecnologia.
De dignidade humana! Permitindo-lhes o sagrado direito de sonhar, e lutar por seus sonhos, e ver seus esforços recompensados quando percebem cidadões.
Custa muito, em marginalidade, em oportunidades, em dignidade, custa proporcionalmente a policiais, a presídios, a assistencialismos, a saúde pública, custa à dignidade custa ao turista, custa ao país.
Sabemos que há, e sempre haverá bons e não tão bons profissionais em todas as áreas, mais o esforço de inúmeros de nossos professores de escolas públicas devem ser reconhecido.
Trabalhando em condições precárias, salários vergonhosos, sem reconhecimento nem oportunidades, tem de ligar os dois mundos e criar condições de adequar o melhor possível às legiões de jovens ao mundo de regras rígidas do saber culto, e tecnológico. Promovendo, o respeito às instituições e as leis, o amor próprio, a consciência crítica, e a competência dos saberes que os intrumentaliza para a vida produtiva.
Quando defrontar-se no próximo semáforo com aqueles grandes olhos brilhantes que seu medo não seja de um assalto, mais do que eu, você, nós fizemos, ou melhor, nos omitimos e por omissão referendamos tacitamente.
Urge transformar este país no país de homens, mulheres e crianças o país de oportunidades se não iguais mais pelo menos mais amplas, o país da esperança.Não mais um país de Miseráveis.
E eu poderei assistir a uma feira de conhecimentos que fala do direito ao aborto, do direito da mulher de decidir sobre seu corpo, sem segurar a bolsa apavorada olhando para os lados, sem ficar chocada com as pichações, e degradações das instalações, sem ter uma resposta para calar a boca dos que criticam a incompetência dos nossos verdadeiros grandes nomes que constroem a História Real do Brasil com seus esforços pessoais, abandonados, violentados em seus direitos, mais guerreiros que lutam, e forjam-se pelas adversidades e diferente dos que se omitem e são coniventes com as atrocidades existentes co-participantes do aborto social que vemos ser feito em massa como um genocídio pós-moderno. Pois estarei assistindo um país que aprendeu a respeitar o seu povo propiciando oportunidades reais a todos.E não bolsa esmola, a um país que percebeu que só resta-nos um caminho, a EDUCAÇÃO de qualidade que propicia oportunidades a todos, independente de seu estamento.





Gleise Costa - Profª Gleise Costa –

Especialista em Educação, Professora em escola Pública de Pe.

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